Muitas vezes, descobrir-se, encontrar-se, admitir-se, aceitar-se, ser-se homossexual é um processo composto por várias etapas. Muitos modelos tentam explicar este processo e hoje, como sou uma mulher da ciência, decidi falar-vos de um em particular: o de Vivienne Cass, divulgado em 1979. Escolhi este porque se adequa bastante bem ao processo que eu própria atravessei (e ainda atravesso) e talvez também se aplique bem a muitas de vós. Certamente que outras não se irão identificar em nada com este modelo. Afinal, felizmente, somos todas diferentes.
O modelo foi desenvolvido em 6 etapas consoante a relação da mulher com a sua identidade sexual:
- Etapa Um: A Confusão de Identidade
A grande questão nesta fase é: quem sou eu? Começa por surgir algum interesse por mulheres mas é difícil compreender o que é que isso significa. Será homossexualidade? Será bissexualidade? Será só curiosidade??? É um período de intenso conflito interno. Muitas vezes acontece após longas relações heterossexuais. No meu caso assim foi. Uma das primeiras coisas que denotei foi que o facto de saber que uma rapariga era homossexual me despoletava interesse e até admiração por ela. Fazia sempre questão de a conhecer melhor. Reparei também que muitas vezes achava que uma rapariga era homossexual e quando verificava que afinal ela não o era ficava triste e desapontada.
- Etapa Dois: Comparação de Identidade
Nesta fase surgem as tentativas de explicar o porquê dos sentimentos que se estão a vivenciar. Pode surgir uma sensação de solidão e crença de que se é a única pessoa a passar por estas turbulências da vida. Parece não existir ninguém com quem conversar sobre o assunto porque ainda é um segredo. As grandes questões que se colocam são: será isto apenas uma fase? Será que estou apenas atraída por esta rapariga ou será que me vou interessar por outras ao longo da vida? Lembro-me perfeitamente de ter pensado que possivelmente o “ser heterossexual” é que tinha sido apenas uma fase e que só agora estava a descobrir a minha verdadeira essência. Outras dúvidas podem surgir: será que sou mesmo homossexual ou será que quero sê-lo porque “está na moda”? Será que estou a ser influenciada por este ser um tema muito mediatizado na atualidade?? Até ao fim desta fase há algumas tentativas de negar, esconder ou inverter a identidade sexual que ameaça florescer. A ideia de a assumir é ainda assustadora.
- Etapa Três: Tolerância de Identidade
A partir desta fase já há alguma aceitação dos termos homossexual ou bissexual, mas não com total entrega. Ter relações sexuais com uma mulher parece uma ideia cada vez mais legítima mas ainda é cedo para o assumir perante terceiros. É nesta fase que aumenta a procura de outras pessoas que estejam na mesma situação, geralmente online. Urge a necessidade de contactar com mulheres mais familiarizadas com o assunto. A busca online permite descobrir mulheres suficientemente distantes para dificilmente se vir a estabelecer contacto pessoal mas suficientemente próximas para partilhar ideias.
- Etapa Quatro: Aceitação da Identidade
É nesta fase que, ao invés de apenas tolerar os factos, se passa a aceitá-los. Há criação de mais amizades com outras lésbicas ou mulheres bissexuais. Aqui compreende-se que ser homossexual não impossibilita uma vida feliz e realizada. A partir daqui a mulher dispensa bem as tentativas de negar a sua orientação sexual ou de se voltar a interessar pelo sexo oposto. Pode começar a adivinhar-se alguma necessidade de assumir esta nova identidade perante alguém: a melhor amiga, a irmã, os pais, entre outros. Muitas lésbicas assumidas referem que a pessoa a quem mais facilmente confessaram foi uma amiga que já era assumidamente homossexual.
- Etapa Cinco: Orgulho na Identidade
Surge aqui o sentimento de pertença a um grupo ou comunidade homossexual. Muitas vezes há raiva e revolta perante as injustiças relativas aos direitos LGBT. Pode até haver envolvimento em grupos ativistas. A censura dos outros acerca do assunto torna-se praticamente irrelevante. O mais importante é viver a vida, os sonhos e o amor.
- Etapa Seis: Síntese da Identidade
A partir desta fase ser lésbica ou bissexual está perfeitamente integrado na própria pessoa. Cada vez são mais raros os pensamentos sobre o assunto porque este está cada vez mais enraizado. Claro que isto não significa que afrontas, como a homofobia, sejam indiferentes e indolores. Simplesmente, há uma visão holística do próprio e a pessoa sente-se tão confortável em ambientes LGBT como em ambientes heterossexuais.
Chegam ao fim as seis etapas envolvidas no processo de Vivienne Cass. Pessoalmente, encontro-me numa mistura entre as fases 4 e 5, sem, no entanto, ter alguma vez assumido a minha identidade sexual perante os meus amigos mais chegados e família. Até agora ainda não foram asseguradas as condições para que me sentisse confiante em revelar esta identidade. Sei que fazê-lo será um passo psicologicamente importante e anseio pelo dia em que terei coragem para tal. Não sei quem será a primeira pessoa a sabê-lo. Até lá, invejo as mulheres que já alcançaram esse amplo patamar de felicidade que é: a Etapa Seis.
Atenção – Notas Finais:
Obviamente, não quero com isto dizer que todos os homossexuais passam por todas estas etapas ou seguem toda esta ordem de ideias. Cada um segue o seu percurso e nem sequer há necessidade de o definir. O que importa é que todos consigam alcançar um estado consistente de bem-estar físico e psíquico, uma posição na qual se sintam felizes, realizados, livres. Se for preciso saltar ou cruzar etapas, voltar para trás vezes sem conta ou se não passarem por nenhum dos pontos referidos não interessa: o que importa é o resultado final da soma e subtração de acontecimentos desta matemática que é a vida.
Jaff, Lisboa, 18 de fevereiro de 2016